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São vários os factores que desencadeiam as mortes associadas às infecções durante os internamentos hospitalares. Em 2013, morreram mais de 12 pessoas por dia. É assustador, mas até que ponto os sistemas AVAC podem prevenir esta contaminação? É que, em tempo de constrangimentos económicos, o ar que respiramos nos hospitais pode rapidamente passar de amigo a inimigo!
Os hospitais sempre foram paradoxalmente um problema de saúde pública. A sua natureza aponta-nos para o contrário e aí cumprem o seu papel, mas há um lado contraditório no meio de tudo isto, uma nebulosa que durante muitas décadas não nos deixou ver a dimensão e a gravidade daquilo que se passava no ambiente interior destes espaços públicos ou privados, mais concretamente o aparecimento e proliferação de infecções hospitalares. Hoje, já é possível ter um retrato mais rigoroso e, sobretudo, comparar realidades distintas entre países. Mas a realidade é assustadora e provavelmente desconhecida da maior parte dos leitores. Um estudo e um relatório oficial muito recente (2016) da Direcção-Geral de Saúde apontam dados: as mortes associadas a infecções contraídas nos hospitais durante os internamentos são sete vezes superiores às causadas pelos acidentes de viação. Em 2013, atingiram-se os 4 600 casos, mais de 12 mortes por dia. A estatística aponta para um em cada dez. O problema está a ganhar uma nova dimensão e o Governo está empenhado em reduzir estes números. Vão ser disponibilizados incentivos financeiros aos hospitais que conseguirem reduzir estas estatísticas. Existem já metodologias para analisar as instalações, de forma a que as acções sejam concertadas e eficazes em toda a Europa. Sim, porque este não é um problema só nosso.
Existem programas muito bem desenhados que estão a ser implementados. O Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Infecções tem como objectivo a rápida redução deste problema. Mas como prevenir o aparecimento e propagação destas infecções? A educação do cidadão surge logo em primeiro lugar. Por tudo e por nada, há uma corrida às urgências nos hospitais quando a grande maioria dos casos pode ser tratada nos centros de saúde. Do lado dos estabelecimentos de saúde, são vários os factores que contribuem para o desenvolvimento destas infecções. Por um lado procedimentos e cuidados de higiene relacionados com as técnicas e métodos clínicos utilizados nos tratamentos de doentes, por outro, tudo o que contribui para a qualidade do ar interior (QAI). Neste domínio, surgem as instalações/sistemas de AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado), a componente física, os edifícios, os seus materiais, equipamentos ou os sistemas que requerem cuidados especiais. O maior ou menor investimento na manutenção dos edifícios e dos seus sistemas pode atenuar ou agravar a contaminação hospitalar. Para que as condições do ambiente interior de um espaço tenham a qualidade adequada, quer seja a qualidade do ar interior, quer seja a temperatura ou a pressão relativamente aos espaços adjacentes (hierarquia de pressões), é necessário que os sistemas de AVAC tenham sido bem concebidos, instalados, comissionados e sejam correctamente mantidos. A prevenção das infecções hospitalares e da sua propagação tem nos sistemas de AVAC e na sua manutenção um dos maiores desafios.
Saídos de uma crise e ainda à deriva com as contas, todos conhecemos os cortes que foram feitos na Saúde. É impossível não questionar estes efeitos e, em especial, nos cuidados nesta área. Gestores hospitalares garantem-nos que, nas zonas críticas, como blocos operatórios, UCI ou outras zonas de assépsia, os cuidados são exemplares. Mas será que acontece também nos restantes espaços hospitalares? Será que a resolução do problema passa apenas pelo cuidado nas zonas de maior fragilidade? Qual o papel dos sistemas de AVAC e dos aspectos construtivos nesta equação? Como pode a engenharia contribuir para a redução das Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde (IACS)?
Este é um tema oportuno porque, aparentemente, vão surgir, nos próximos tempos, vários novos hospitais privados e parece que os públicos que estavam na gaveta vão arrancar. Não se fala de outra coisa. Mais, está em marcha um dos primeiros envelopes financeiros para a reabilitação de edifícios públicos, com 100 milhões de euros, e tudo indica que a maior fatia vai ser destinada ao sector da Saúde. As candidatura terminaram em Abril.
Retrato de quem trabalha no terreno
Especialistas na área do projecto, instalações, manutenção, gestão técnica centralizada ou gestão hospitalar são unânimes: os sistemas de AVAC constituem um dos meios que pode contribuir para o controlo da qualidade dos ambientes interiores, mas também pode agravá-la no caso de concepções ou manutenção inadequadas. “O projecto correcto dos sistemas de AVAC das unidades hospitalares, a sua correcta construção e manutenção das condições de operação não garantem por si só a eliminação do problema de contaminação e infecção hospitalar, porque não controlam todas as variáveis, nomeadamente as relacionadas com os métodos e técnicas clínicas”, explica João Gomes, da TGDI – Tecnologia de Gestão de Imóveis, a empresa do universo da Teixeira Duarte, que, entre outros serviços, faz a gestão da manutenção de edifícios e sistemas, entre os quais vários hospitais.
Comecemos pelo princípio. Francisco Brito, presidente da Associação de Técnicos de Engenharia Hospitalar Portugueses – ATEPH e director da Unidade de Prestação de Segurança e Controlo Técnico do SUCH, introduz o tema de forma mais alargada. “Tipicamente, quando se fala de IACS, são envolvidos médicos e enfermeiros. É um problema multifactorial, pelo que, para a sua minimização, é imprescindível a implementação de múltiplas abordagens com o envolvimento de equipas multidisciplinares”. Há, portanto, outras variáveis a ter em conta e até complementares. Ou seja, não podemos olhar para estes temas de forma desagregada. “Necessariamente, os serviços de engenharia têm um papel importante, “podendo envolver sistemas de AVAC, de purificação de ar, de desinfecção de superfícies, No Touch Desinfection (NTD), desenvolvimento de superfícies antimicrobianas, incidência em quartos individuais. As matrizes Ar e Superfície são indissociáveis pelo facto de possíveis contaminações no ar poderem, por deposição, contaminar superfícies, assim como possíveis contaminações em superfícies poderem contaminar o ar por arrastamento de partículas”. E, a juntar a este puzzle, há ainda a questão da água.
“Adicionalmente, na matriz água, o papel da engenharia também é fundamental, relacionado com a Rede de Água Sanitária, em Água de Processo como nas Torres de Arrefecimento ou em sistemas de tratamento em unidades de fisiatria”.
Não podemos pensar apenas nos sistemas de AVAC sem ter em conta que, “ao minimizar a contaminação, nas várias matrizes, se reduz igualmente a probabilidade de infecção por esses meios”. Mas, claro, os sistemas de AVAC podem contribuir para a minimizar muito este problema. Para tal, é necessário ter o conhecimento dos espaços e das funções de cada zona e estas competências ganham-se com muitos anos de experiência. “Conforme as características e criticidade de cada serviço, as exigências do sistema de ventilação mais adequado são distintas”. E os métodos também: “Alguns dos parâmetros controlados pelos sistemas de AVAC são cruciais para o controlo da contaminação, tais como a Temperatura, a Humidade Relativa, a hierarquia de pressões e a filtragem do ar”.
Para Miguel Pereira Coutinho, presidente da Associação de Técnicos de Engenharia Hospitalar Portugueses e responsável máximo da Teprol, um gabinete de projecto especializado em edifícios hospitalares, as pessoas são muito importantes, porque os seus hábitos condicionam as infecções e contaminações. “No entanto, a climatização e o ar interior contribuem de uma forma muito positiva para se evitarem contaminações do ambiente interior, nomeadamente tendo o cuidado de assegurar, não só o número de renovações do ar, mas também as condições em que esse ar é filtrado. Um dos problemas graves é justamente a filtragem desse ar. Não podemos só falar da quantidade de ar novo, mas também da filtragem deste ar que é colocado dentro das unidades de tratamento de ar (UTA). Na questão da filtragem, as recomendações da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e a regulamentação para as áreas hospitalares indicam qual o nível de filtragem que deve ser exigido”. O problema está a seguir e tem a ver com a manutenção desses filtros. Mas já lá vamos. Porque, apesar de haver muita coisa para resolver, parece que as zonas mais importantes estão devidamente acauteladas. Para este dirigente associativo e projectista, “na altura do projecto e implementação em obra, todos esses parâmetros estão respeitados”.
João Gomes reforça que há outros aspectos a ter em conta. “Não obstante o correcto projecto, construção e manutenção dos sistemas, o AVAC pode e deve ser utilizado para garantir a correcta renovação de ar dos espaços contribuindo para o controlo da concentração de poluentes”. Por sua vez, “a correcta definição de caudais de ar em zonas de assepsia é essencial para que se garanta uma separação entre diferentes áreas, viabilizando a segurança dos utentes e dos profissionais de Saúde através de práticas de contenção ou de protecção em salas de isolamento, serviços críticos ou com necessidades especiais”. A isto, o projectista Garcia Vasquez acrescenta que “os bons projectos passam por considerar caudais de ar adequados com taxas de renovação compatíveis com a utilização, gradientes de pressão convenientes para cada local, filtragens adequadas e, em complemento, garantias de uma real manutenção, substituição de filtros e limpeza interior de unidades de tratamento de ar e condutas, as quais, se forem efectuadas de modo aligeirado, poderão significar que não só não eliminamos o problema, como ainda o agravamos”.
Manutenção
Numa fase seguinte, surge-nos o factor mais crítico no que se refere à QAI, a manutenção. Uma prática que requer duas coisas: conhecimento e investimento. Uma combinação difícil e um problema que se agrava quando falamos em constrangimentos económicos.
A grande dúvida de Miguel Pereira Coutinho está justamente aí. “O desinvestimento na estrutura hospitalar sente-se na manutenção”, e acrescenta que tem “algumas dúvidas sobre a regularidade em que são verificados os estados dos filtros e a sua substituição”. Existem planos de manutenção obrigatórios, sim! “Normalmente, essas operações de manutenção são feitas em outsourcing. Até que ponto é que há capacidade financeira para garantir que o outsourcing cumpre o plano de manutenção? Terá de existir, por parte da instituição, quem tenha os conhecimentos necessários para acompanhar o cumprimento desses planos de manutenção. Se o prestador de serviços não os cumpre, a qualidade agrava-se. Muitas vezes, o que sucede é que os hospitais têm técnicos que dão o seu melhor mas que não são da especialidade. Têm uma formação académica que não é específica. São essas pessoas que estão a verificar se os prestadores de serviços cumprem o que foi contratado”.
Já sabemos que podemos ficar descansados, porque “as salas de operação e outros espaços especiais estão sujeitos a controlo e vistorias mais frequentes. Os clínicos têm acesso aos relatórios de manutenção e só exercem a sua actividade com valores seguros. A grande preocupação está nas zonas de grande aglomeração de pessoas, visitas e público. E nas zonas de circulação que, por serem zonas não clínicas, passam para segundo plano e são prejudicadas financeiramente”.
Para Francisco Brito, a actuação preventiva é sempre preferível à correctiva, sendo os custos também mais baixos. “O problema é que, quando a manutenção preventiva é adequadamente executada, não dá nas vistas, levando a pensar que nem existe”. Em tempos de crise, com o objectivo de redução de custos, corta-se no mais fácil. “Com os constrangimentos orçamentais, as instalações e equipamentos sofrem na pele”.
Optimista, Garcia Vazquez tem verificado que, em alguns hospitais mais recentes, já existe uma manutenção preventiva e correctiva bem concebida. “Os constrangimentos orçamentais são muitas vezes invocados como uma boa desculpa para camuflar incompetências e falta de conhecimento. Considero fundamental que, a nível geral, se garanta a existências de técnicos com formação adequada para conduzir e manter as instalações de AVAC”.
João Gomes partilha as mesmas preocupações sobre a existência de um enorme desconhecimento dos sistemas de AVAC por parte dos profissionais de saúde e dos utentes das unidades hospitalares. “Este desconhecimento origina um permanente mal-estar e desconfiança. Os sistemas são sempre vistos como parte do problema e nunca considerados como soluções. Enquanto os sistemas de AVAC e a sua manutenção forem considerados um mal menor ou uma obrigação, a disponibilidade de investimento, de formação ou de aumento de conhecimento nestes sistemas será diminuta”.
Francisco Pombas, da Domótica, destaca, como maiores limitações, dois factores fundamentais: “a concepção dos sistemas, nomeadamente dos sistemas de gestão técnica centralizada (GTC), não ser adequada à realidade das instalações hospitalares; e a falta de recursos humanos assignados à condução e manutenção das instalações técnicas” E explica que, no primeiro caso, a razão nem sempre está associada a limitações de orçamento na concepção dos sistemas. Já o principal motivo para o número de técnicos não ser adequado às necessidades é claramente um problema orçamental. Quanto à formação e conhecimento dos técnicos com que trabalha, Francisco Pombas considera que “têm as competências adequadas às funções que desempenham. Como é óbvio, numa época de rápidas evoluções tecnológicas, a formação contínua destes técnicos é um factor determinante que também deverá ser assegurado”. Para o especialista em GTC, as realidades variam muito de hospital para hospital. Considera que de, “uma forma geral, as equipas de manutenção têm competências técnicas e empenhamento superior às que mais comummente encontramos nos edifícios de serviços”. No entanto, há disparidades evidentes entre serviços de manutenção de hospitais distintos. “Em alguns hospitais, encontrei serviços de manutenção com tempos de resposta curtíssimos e com os equipamentos (sistemas de AVAC e outros) correctamente mantidos, fruto de uma rigorosa implementação de planos de manutenção preventiva. Porém, também me deparei com instalações hospitalares com equipas de manutenção subdimensionadas, levando a que a aplicação das rotinas de manutenção seja deficiente com a consequente degradação dos equipamentos, nomeadamente dos sistemas de AVAC”.
Regulamentação suficiente e adequada?
As opiniões são bastante diferentes. Embora não haja regulamentação específica para a área hospitalar, Miguel Pereira Coutinho admite que “estamos bem entregues” ao que existe. “Para além das recomendações que existem da ACSS e algumas delas ultrapassam até muita legislação hospitalar da Europa, o que temos é muito rigoroso em termos do que deve ser o ar novo e tudo o que tenha a ver com o ambiente interior. Não nos falta nada para que a QAI seja garantida. Está tipificado para cada zona hospitalar o que é o nível de ar novo, o número de renovações e o grau de filtragem exigido. E, mais, para dar a licença de utilização de funcionamento a um hospital privado, o próprio Ministério vai verificar se os guidelines estão cumpridos”.
Francisco Brito está, no entanto, preocupado com o facto de uma parte significativa da legislação se aplicar unicamente a Unidades de Saúde Privada, criando lacunas no sector público. Para este engenheiro, “esta dualidade não é certamente benéfica. Quanto a Especificações Técnicas, muitas das que existem ainda provêm da extinta Direcção-Geral de Instalações e Equipamentos de Saúde (DGIES), visto, a nível central, os serviços técnicos serem reduzidos, sem grande capacidade de mobilização para o debate e criação/revisão de nova documentação”. E deixa uma sugestão: “deveria existir um maior entrosamento, partilha e conhecimento das regras e critérios a aplicar entre todas as partes interessadas, desde projectistas, licenciadores, donos das unidades de saúde, inspectores, prestadores de serviço”.
Já João Gomes está mais céptico: “A actual legislação está dispersa, é confusa e generalista (não está centrada em unidades hospitalares). Considerando a importância e a complexidade das unidades hospitalares, penso que deveria existir legislação específica aplicada apenas a estas unidades, e que remetesse para as normas internacionais. Note-se que existem especificações técnicas internacionais que podem ser transpostas para o contexto nacional, não existindo necessidade de se criar de novo especificações técnicas para apenas serem aplicadas em Portugal. O facto de a legislação estar difusa e ser generalista provoca que se utilizem diferentes referenciais em diferentes unidades e por diferentes organismos e impede a padronização de boas práticas neste sector. Esta situação também aumenta o desconhecimento sobre as práticas que deverão ser aplicadas e sobre as necessidades na concepção, instalação e manutenção dos sistemas de AVAC. Por outro lado, apesar de a existência de legislação clara e objectiva ser uma mais-valia, esta apenas cumprirá todo o seu potencial se existir uma fiscalização que garanta que os diferentes actores a implementam correctamente”.
Em jeito de conclusão, sabemos que o Governo reconhece o problema como urgente e aparentemente estão a ser tomadas medidas. No entanto, a crise ou o desinvestimento na saúde reflectiu-se sobretudo nas instalações de climatização as quais contribuem e são decisivas para a boa qualidade do ambiente interior, e por consequência, para a diminuição das infecções hospitalares. Os sistemas de AVAC são protagonistas e não podem ser descurados, tanto ao nível do seu correcto funcionamento, como pelas competências e formação daqueles que são responsáveis pelos sistemas e instalações. As perspectivas são boas. Mais dinheiro e mais hospitais vão surgir em breve. Esperamos duas coisas: que os novos sejam bem construídos e que os antigos sejam remodelados rapidamente!
Artigo originalmente publicado na edição 110 da revista Edifícios e Energia. Aqui com as devidas adaptações.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]